domingo, 27 de março de 2011

O interesse da lógica

3. Interesse da Lógica

A Lógica não se interessa pelo produtor do pensamento, pelo objecto pensado, pelo pensar, pelo resultado do pensamento, pela forma, pela expressão, pelos contextos e circunstâncias
Sua preocupação essencial é a dos pensamentos em si, i. é, a ela só se preocupa ou só se interessa com a validade e a correcção dos pensamentos. Os outros aspectos constituem objectos de estudo de outras ciências com as quais a Lógica mantém estreita relação, tais como a Matemática e a Gramática.

4. Utilidade / vantagens da Lógica

Na actividade de pensar intervêm outras faculdades que não só a razão, tais como a imaginação e a memória.

A actividade do pensar ultrapassa o estrito domínio da Lógica: ao pensar acrescentamos "representações parasitárias", 'buracos', 'saltos', 'ruídos' nos nossos raciocínios em função dos contextos: essas representações perturbam a clareza, o rigor e a eficácia do pensamento. Apresentam como que um curto-circuito no raciocínio e que se vai manifestar no nosso agir comunicacional.

A Lógica é pois necessária para corrigir os erros do pensar e para reintroduzir rigor e precisão no pensamento.

Assim a Lógica é útil porque apresenta estas vantagens:
v Clarificar e analisar o pensamento e a linguagem
v Assegurar a eficácia demonstrativa do pensamento
v Garantir a correcção formal do raciocínio e a coerência do discurso
v Definir os conceitos, ordenar as noções, obter conclusões formalmente seguras
v Evitar sofismas e ambiguidades, detectando erros no desenvolvimento das argumentações

Em suma: o estudo da Lógica põe ao dispor do homem um conjunto de padrões de raciocínio e de técnicas argumentativas que tornam mais eficazes as suas capacidades intelectuais.

Concluindo podemos dizer que “o pensamento não serve a Lógica; serve-se dela". O uso da Lógica é imprescindível para o homem poder pensar; contudo o pensar não se reduz, nem se esgota na dimensão lógica. Portanto: Lógica = Ferramenta para pensar.

6. Situações em que o pensar se torna-necessário

v Existência de um problema || v Existência de uma situação confusa
v Prevalecimento da incerteza no significado de um problema ou no que deve ser feito
v Exame de provas sustentando qualquer convicção || v Exame de conclusões das provas

Ocorrendo situações do género deve-se seguir alguns procedimentos, tais como:

    v Formular respostas hipotéticas ||
v Analisar factos e dados ||
  v Enunciar juízos de realidade ||           
    v Extrair conclusões ||  
v Elaborar uma linguagem rigorosa, clara e seleccionada ||
    v Ter capacidades técnicas para alcançar o que se pretende ||
    v Ter uma atitude mental de honestidade ao se pensar ||


7. o que não é o pensamento

Talvez seja mais fácil compreender o que é o pensamento, analisando o que ele não é:

v Não é percepção: não consiste na coordenação de dados sensoriais;
v Não é memória: não é retenção de factos, de conhecimentos, de experiências ou vivências;
v Não é opinião: não é repetição de lugares-comuns[1] ou de 'palpites' subjectivos;
v Não é imaginação: não é simples produção ou reprodução de imagens mentais
v Não é ficção: não é devaneio, sonho fantasista ou delírio imaginativo;
v Não é inspiração intuitiva: não é invenção criativa súbita ou repentina.

Não é nada disto isoladamente. Mas é tudo isto conjuntamente, e ainda mais do que isso.        É uma actividade mental que está presente em todas as outras actividades específicas do ser humano e que se entrelaça com todas as capacidades intelectuais do homem, articulando-as e dando-lhes unidade.
O pensamento não se limita a meras fórmulas, regras ou cálculos, embora estes tb façam parte dele.


8. pensamento lateral ou divergente

Há sempre um pensamento lateral ou divergente que consiste em ver o mundo de uma outra forma àquela que é tida como normal, pois o homem para resolver certos problemas da vida quotidiana, tem de sair das suas estruturas lógicas usuais e pensar de modo diferente. Tem de ser lateral e criativo, sem ser necessariamente ilógico.

“Mudar conscientemente de estrutura, em vez de esperar pelo erro [para o fazer], é o objectivo do pensamento lateral. Este tipo de reflexão procura reproduzir a mudança para outro esquema [seguindo um modo análogo ao] que se constata na intuição. Uma definição exacta de pensamento lateral seria: a capacidade de mudar de esquema [de pensamento] no interior do próprio sistema. Em termos mais simples, pode dizer-se que consiste em ver as coisas de outro modo. (…) O pensamento lateral é simultaneamente um estado de espírito e um conjunto de métodos bem definidos. Esta forma de pensamento implica em primeiro lugar a vontade de tentar ver as coisas sob ângulos diferentes depois que se admita que a nossa visão das coisas é uma possibilidade entre outras, por fim que se compreenda como é que o cérebro utiliza as estruturas e que, uma vez formada uma estrutura, se compreenda que é preciso evadir-se dela para encontrar uma melhor  (E. de Bono)

Ex.: “A avô tricotava e Suzanita incomodava-a porque brincava com o novelo de lã. O pai propõe que se ponha a Suzanita no seu parque. A mãe, pelo contrário, propõe que se ponha lá a avô. É uma outra maneira de ver as coisas, e bastante lógica quando pensamos nela”. (E. de Bono)

O texto mostra que:

Ø criatividade e pensamento lateral não são actividades mentais absolutamente idênticas;
Ø a divergência ou ‘lateralidade’ caracteriza-se pela mudança de perspectiva lógica, de ângulo de percepção e de interpretação;
Ø o pensamento lateral possui métodos próprios;
Ø as modalidades de pensamento são relativas, são “possibilidades entre outras”.

Mas porquê diferentes modalidades de pensamento? É que o homem ao pensar pretende,     por um lado, compreender e explicar a realidade que o cerca bem como o que lhe acontece, e por outro, agir eficazmente. O pensamento é simultaneamente uma forma de acção e um instrumento eficaz de acção. Não admira, portanto, que diversifique os seus modos de pensar. Tal diversificação acontece em função dos contextos de vida e das experiências passadas de cada grupo social.
O caso que a seguir se descreve reflecte o peso dos contextos sociais no pensamento e manifesta um modo diferente do nosso:

Na Nova Caledónia, a introdução do cão teve consequências dramáticas. Na época pré-europeia os kanakas só possuíam galinhas como animais domésticos. Os animais recém-chegados foram considerados como seres humanos. A história do cão Reno,             assim chamado porque chegou com os missionários na corveta Reno em 1845 e que se fez notar porque era o que mais corria atrás dos indígenas, é um episódio exemplar do caso de primeiro contacto com um mamífero.
Um dia, um chefe dos arredores, chegou numa embaixada com um pano branco pendurado no braço e pediu audiência ao “chefe dos cães” para fazer a paz e instituir boas relações com eles.
O cão foi imediatamente trazido. Então foi-lhe apresentada uma oferta de inhames, canas-de-açúcar etc. o chefe fez-lhe um pequeno discurso, dizendo-lhe quanto o considerava como grande e poderoso; que lhe trazia presentes, par que lhe concedesse a sua amizade e para que desse ordens aos outros cães, seus servidores, para que no futuro nenhum lhe fizesse mal a ele e aos seus familiares.
Mas este discurso amigável parece não ter tido o efeito esperado. Os cães continuaram hostis aos indígenas. No ano seguinte, a missão foi destruída e aquele que mais excitava os cães contra os indígenas foi assassinado tal como o cão Reno. (A. G. Haudricourt e P. Dibie)

O texto mostra que:

Ø perante uma situação nova e um ‘ser’ desconhecido o pensamento operou segundo os esquemas usuais;
Ø a acção desencadeada pelo esquema tradicional de pensar fracassou;
Ø a permanência do problema levou a que o pensamento procurasse novas soluções e, portanto, novas formas de acção.

Quando surge um problema, o homem, através do pensamento, começa por procurar a resposta nas suas experiências passadas e nos saberes já adquiridos. Nessa busca surgem armadilhas e erros. Torna-se então necessário prestar atenção à correcção e validade do seu pensar e, simultaneamente, evitar as falácias, os erros de raciocínio. Além disso, é preciso confrontar as soluções encontradas pelo pensamento com os factos. Por conseguinte, é naturais que o homem, no seu afã de busca de soluções encontradas para os problemas, utilize diferentes tipos de pensamento e múltiplas operações.

Sejam quais forem os seus materiais, seja qual for a sua modalidade ou tipo, o pensamento terá de ser coerente, i. é, não pode ser auto contraditório. Terá de se regular por condições            que funcionam ao mesmo tempo como critérios de racionalidade.

Anthony Kenny
sintetizado de História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny. Trad. Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral (Temas e Debates, 1999).Anthony Kenny
Universidade de Oxford
Muitas das ciências para as quais Aristóteles contribuiu foram disciplinas que ele próprio fundou. Afirma-o explicitamente em apenas um caso: o da lógica. No fim de uma das suas obras de lógica, escreveu:
No caso da retórica existiam muito escritos antigos para nos apoiarmos, mas no caso da lógica nada tínhamos absolutamente a referir até termos passado muito tempo em laboriosa investigação.
As principais investigações lógicas de Aristóteles incidiam sobre as relações entre as frases que fazem afirmações. Quais delas são consistentes ou inconsistentes com as outras? Quando temos uma ou mais afirmações verdadeiras, que outras verdades podemos inferir delas unicamente por meio do raciocínio? Estas questões são respondidas na sua obra Analíticos Posteriores.
Ao contrário de Platão, Aristóteles não toma como elementos básicos da estrutura lógica as frases simples compostas por substantivo e verbo, como "Teeteto está sentado". Está muito mais interessado em classificar frases que começam por "todos", "nenhum" e "alguns", e em avaliar as inferências entre elas. Consideremos as duas inferências seguintes:
1)
Todos os gregos são europeus.
Alguns gregos são do sexo masculino.
Logo, alguns europeus são do sexo masculino.
2)
Todas as vacas são mamíferos.
Alguns mamíferos são quadrúpedes.
Logo, todas as vacas são quadrúpedes.
As duas inferências têm muitas coisas em comum. São ambas inferências que retiram uma conclusão a partir de duas premissas. Em cada inferência há uma palavra-chave que surge no sujeito gramatical da conclusão e numa das premissas, e uma outra palavra-chave que surge no predicado gramatical da conclusão e na outra premissa. Aristóteles dedicou muita atenção às inferências que apresentam esta característica, hoje chamadas "silogismos", a partir da palavra grega que ele usou para as designar. Ao ramo da lógica que estuda a validade de inferências deste tipo, iniciado por Aristóteles, chamamos "silogística".
Uma inferência válida é uma inferência que nunca conduz de premissas verdadeiras a uma conclusão falsa. Das duas inferências apresentadas acima, a primeira é válida, e a segunda inválida. É verdade que, em ambos os casos, tanto as premissas como a conclusão são verdadeiras. Não podemos rejeitar a segunda inferência com base na falsidade das frases que a constituem. Mas podemos rejeitá-la com base no "portanto": a conclusão pode ser verdadeira, mas não se segue das premissas.
Podemos esclarecer melhor este assunto se concebermos uma inferência paralela que, partindo de premissas verdadeiras, conduza a uma conclusão falsa. Por exemplo:
3)
Todas as baleias são mamíferos.
Alguns mamíferos são animais terrestres.
Logo, todas as baleias são animais terrestres.
Esta inferência tem a mesma forma que a inferência 2), como poderemos verificar se mostrarmos a sua estrutura por meio de letras esquemáticas:
4)
Todo o A é B.
Algum B é C.
Logo, todo o A é C.
Uma vez que a inferência 3) conduz a uma falsa conclusão a partir de premissas verdadeiras, podemos ver que a forma do argumento 4) não é de confiança. Daí a não validade da inferência 2), não obstante a sua conclusão ser de facto verdadeira.
A lógica não teria conseguido avançar além dos seus primeiros passos sem as letras esquemáticas, e a sua utilização é hoje entendida como um dado adquirido; mas foi Aristóteles quem primeiro começou a utilizá-las, e a sua invenção foi tão importante para a lógica quanto a invenção da álgebra para a matemática.
Uma forma de definir a lógica é dizer que é uma disciplina que distingue entre as boas e as más inferências. Aristóteles estuda todas as formas possíveis de inferência silogística e estabelece um conjunto de princípios que permitem distinguir os bons silogismos dos maus. Começa por classificar individualmente as frases ou proposições das premissas. Aquelas que começam pela palavra "todos" são proposições universais; aquelas que começam com "alguns" são proposições particulares. Aquelas que contêm a palavra "não" são proposições negativas; as outras são afirmativas. Aristóteles serviu-se então destas classificações para estabelecer regras para avaliar as inferências. Por exemplo, para que um silogismo seja válido é necessário que pelo menos uma premissa seja afirmativa e que pelo menos uma seja universal; se ambas as premissas forem negativas, a conclusão tem de ser negativa. Na sua totalidade, as regras de Aristóteles bastam para validar os silogismos válidos e para eliminar os inválidos. São suficientes, por exemplo, para que aceitemos a inferência 1) e rejeitemos a inferência 2).
Aristóteles pensava que a sua silogística era suficiente para lidar com todas as inferências válidas possíveis. Estava enganado. De facto, o sistema, ainda que completo em si mesmo, corresponde apenas a uma fracção da lógica. E apresenta dois pontos fracos. Em primeiro lugar, só lida com as inferências que dependem de palavras como "todos" e "alguns", que se ligam a substantivos, mas não com as inferências que dependem de palavras como "se…, então ", que interligam as frases. Só alguns séculos mais tarde se pôde formalizar padrões de inferência como este: "Se não é de dia, é de noite; mas não é de dia; portanto é de noite". Em segundo lugar, mesmo no seu próprio campo de acção, a lógica de Aristóteles não é capaz de lidar com inferências nas quais palavras como "todos" e "alguns" (ou "cada um" e "nenhum") surjam não na posição do sujeito, mas algures no predicado gramatical. As regras de Aristóteles não nos permitem determinar, por exemplo, a validade de inferências que contenham premissas como "Todos os estudantes conhecem algumas datas" ou "Algumas pessoas detestam os polícias todos". Só 22 séculos após a morte de Aristóteles esta lacuna seria colmatada.
A lógica é utilizada em todas as diversas ciências que Aristóteles estudou; talvez não seja tanto uma ciência em si mesma, mas mais um instrumento ou ferramenta das ciências. Foi essa a ideia que os sucessores de Aristóteles retiraram das suas obras de lógica, denominadas "Organon" a partir da palavra grega para instrumento.
A obra Analíticos Anteriores mostra-nos de que modo a lógica funciona nas ciências. Quem estudou geometria euclidiana na escola recorda-se certamente das muitas verdades geométricas, ou teoremas, alcançadas por raciocínio dedutivo a partir de um pequeno conjunto de outras verdades chamadas "axiomas". Embora o próprio Euclides tivesse nascido numa altura tardia da vida de Aristóteles, este método axiomático era já familiar aos geómetras, e Aristóteles pensava que podia ser amplamente aplicado. A lógica forneceria as regras para a derivação de teoremas a partir de axiomas, e cada ciência teria o seu próprio conjunto especial de axiomas. As ciências poderiam ser ordenadas hierarquicamente, com as ciências inferiores tratando como axiomas proposições que poderiam ser teoremas de uma ciência superior.
Se tomarmos o termo "ciência" numa acepção ampla, afirma Aristóteles, é possível distinguir três tipos de ciências: as produtivas, as práticas e as teóricas. As ciências produtivas incluem a engenharia e a arquitectura, e disciplinas como a retórica e a dramaturgia, cujos produtos são menos concretos. As ciências práticas são aquelas que guiam os comportamentos, destacando-se entre elas a política e a ética. As ciências teóricas são aquelas que não possuem um objectivo produtivo nem prático, mas que procuram a verdade pela verdade.
Por sua vez, a ciência teórica é tripartida. Aristóteles nomeia as suas três divisões: "física, matemática, teologia"; mas nesta classificação só a matemática é aquilo que parece ser. O termo "física" designa a filosofia natural ou o estudo da natureza (physis); inclui, além das disciplinas que hoje integraríamos no campo da física, a química, a biologia e a psicologia humana e animal. A "teologia" é, para Aristóteles, o estudo de entidades superiores e acima do ser humano, ou seja, os céus estrelados, bem como todas as divindades que poderão habitá-los. Aristóteles não se refere à "metafísica"; de facto, a palavra significa apenas "depois da física" e foi utilizada para referenciar as obras de Aristóteles catalogadas a seguir à sua Física. Mas muito daquilo que Aristóteles escreveu seria hoje naturalmente descrito como "metafísica"; e ele tinha de facto a sua própria designação para essa disciplina, como veremos mais à frente.